segunda-feira, 22 de abril de 2013

A LUTA DE ADELINO RAMOS E CLAUDEMIR RAMOS





Já se passaram aproximadamente 17 anos e 9 meses do conhecido “Massacre de Corumbiara” onde em 14 de julho de 1995, centenas de famílias ocuparam uma  parte da fazenda Santa Lina, na cidade de Corumbiara, em Rondônia.
O texto abaixo foi e traduzido por Suzete e refere-se à descrição do vídeo acima do texto original escrito por Derek Indoe (Inglaterra).



A LUTA DE ADELINO RAMOS E CLAUDEMIR RAMOS


Se há uma coisa em que queremos acreditar é que, se formos acusados de um crime, teremos direito a uma audiência justa diante de um tribunal de justiça. Isso porque ouvimos falar que somos todos iguais perante a lei, quer sejamos ricos ou pobres, e que aqueles que trabalham com a justiça são pessoas responsáveis, dignas de confiança, abertas e transparentes em seu trabalho.

Mas isso não vale para todo mundo. E certamente não vale para Claudemir Ramos e Adelino Ramos e suas famílias. Este documentário é uma pequena amostra de quão diferente é a realidade deles, na floresta amazônica, da realidade daqueles que vivem e trabalham nas grandes cidades. Adelino Ramos e seu filho, Claudemir Ramos, são sobreviventes do massacre de Corumbiara. Esse trágico evento é um marco na história dos sem-terra em nosso país.

Em  um verdadeiro inferno se abateu sobre aqueles cujo único sonho tinha sido possuir um pedaço de terra para cultivar, um direito assegurado pela Constituição de 1988.

Corumbiara foi diferente dos outros 440 conflitos de terra que aconteceram no Brasil em 1995. Corumbiara foi diferente dos muitos outros conflitos de terra que aconteceram em Rondônia, em 1995. Foi diferente em função das execuções sumárias e violentas que aconteceram nas primeiras horas daquela manhã fatídica: torturas, espancamentos e atos desumanos foram cometidos pela polícia e por mercenários contratados pelos donos de terra da região.

Até hoje, os responsáveis pelo massacre não foram indiciados. Quem vai pagar pela morte dessa centena de pessoas? Quem vai ser responsabilizado pela destruição de tantas famílias? Quem vai reparar a perda de tantas vidas? Há muitas perguntas sobre Corumbiara que permanecem sem resposta.

O trabalho da professora Helena Angélica de Mesquita talvez seja o melhor relato do que aconteceu, com destaque para o fato de que nenhuma evidência foi apresentada nos tribunais, o que sem dúvida chama a atenção, em especial dos observadores internacionais.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu relatório de 2004, exigiu que o Estado brasileiro realizasse uma completa, imparcial e efetiva investigação dos fatos acontecidos, por órgãos não-militares, para determinar a responsabilidade sobre as mortes, agressões e outros atos que aconteceram na fazenda Santa Lina, em 9 de agosto de 1995. Decidiu também que o Estado brasileiro deve punir todos os atores, materiais e intelectuais, civis ou militares, além de fazer a adequada reparação às vítimas mencionadas nesse relatório ou seus familiares mais próximos, de acordo com as violações de direitos humanos ali contidas.

Hoje, quase dez anos depois, o Estado brasileiro ainda não cumpriu integralmente as determinações do relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 2004. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, 1.500 pessoas foram mortas pela violência no campo desde 1995, porém, menos de cem pessoas foram condenadas e apenas um dos que ordenaram o massacre de Corumbiara está atrás das grades.

A mesma falta de transparência e responsabilização ocorreu também em Vista Alegre, em Rondônia, em maio de 2011, quando Adelino Ramos foi morto, à queima roupa, diante de suas filhas pequenas e da esposa. Seu assassino, Ozeas Vicente, era conhecido na região como pistoleiro profissional. Contratado para cometer esse crime, ele mesmo foi assassinado, e ambas as mortes precisam ainda ser esclarecidas. Não será fácil descobrir quem ordenou sua morte e a morte de Dinho, como era conhecido Adelino Ramos, pois a morte de Ozeas Vicente ensejou ao juiz arquivar ambos os processos.

Mesmo depois do massacre de Corumbiara, Adelino Ramos continuava a liderar o Movimento Camponês Corumbiara, MCC. Nos 16 anos seguintes, partidário da não-violência, Dinho ajudou trabalhadores a se estabelecerem na terra, seguindo a Constituição de 88 e a política do governo. Foram cerca de 15 mil pessoas, assentadas em 37 locais diferentes. Ao contrário dos grandes fazendeiros, Dinho estava interessado em dar às pessoas no meio da floresta uma chance de trabalho e sobrevivência. Ele reunia grupos de trabalhadores e ensinava sobre o cultivo da terra e o respeito à natureza; como preparar a terra após a colheita, mantendo-a viva e produtiva.

Mas Dinho foi morto. Foi morto por falar abertamente contra o corte ilegal de madeira e a destruição da floresta pelos poderosos, interessados apenas no próprio interesse e no lucro pessoal. Ele recebeu muitas ameaças e recusou vários subornos, até finalmente ser morto. Esses subornos incluíam vastas extensões de terra – quanta terra ele quisesse –, muito dinheiro e mesmo um caríssimo veículo 4 x 4. Em 2010, Dinho denunciou a situação ao Ouvidor Agrário Nacional e à Comissão de Combate à Violência e aos Conflitos no Campo, embora temesse pela própria vida. Ele passou às autoridades informações relevantes sobre essas ameaças, mas nada foi feito a respeito.

Com perguntas ainda sem respostas, em fevereiro de 2013, um grupo de militantes de São Paulo atravessou o país até Porto Velho, sob cuja jurisdição estão Corumbiara e Vista Alegre. Uma vez lá, conversas com diversos políticos e advogados locais deixaram muito clara a debilidade dos sistemas democrático e legal que operam em Rondônia. Não restaram dúvidas de que os sistemas nacional e federal ficam em segundo plano diante dos interesses dos grandes donos de terra. Essa é uma região que alguns, em Brasília, descrevem como território de bandidos.

De Porto Velho, viajamos de carro em direção a oeste, à fronteira da Bolívia, para a cidade em que Dinho foi morto, Vista Alegre do Abunã. Passamos por imensas estradas de uma bela paisagem, em que a derrubada da floresta abriu caminho para o gado. Para alimentar uma única rês é preciso cortar aproximadamente um acre (4 km2) de floresta e transformá-lo em pasto. Pode-se ganhar muito dinheiro com essas fazendas e seus grandes rebanhos. Em todo o trajeto, não conseguimos avistar vilas ou pessoas vivendo e trabalhando nesse vasto território que um dia foi coberto por florestas. Ao contrário, são as estradas, ampliadas e modernizadas em anos recentes, que chamam a nossa atenção.

Seguimos em frente e atravessamos o vasto rio Madeira, maravilhados pela majestade e beleza de um dos grandes tributários do rio Amazonas, com cerca de 3.250 km de extensão. Depois de uma viagem de cerca de 200 km de carro, chegamos a Vista Alegre.
Vista Alegre é um lugar promissor, mas o progresso ainda não chegou lá. É um lugar pouco acolhedor e onde qualquer forasteiro pode ser facilmente identificado. As casas e cercas de madeira atestam que a cidade é muito dependente da indústria madeireira. É um fato que não se pode negar. E quem quiser ignorá-lo, fica por sua conta e risco.

Viemos à cidade de Vista Alegre do Abunã, no estado de Rondônia, para falar com os policiais da delegacia da cidade, que transmitiram as primeiras notícias da morte de Adelino. Eles educadamente disseram que não podiam responder a nenhuma pergunta. Todas as investigações relevantes tinham sido realizadas pela Polícia Federal, que não revelou suas descobertas à Polícia Civil. Nós nos perguntamos onde estava a transparência, a ação conjunta das polícias na investigação de um caso de assassinato ainda em aberto?

Disseram-nos que ao menos duas pessoas em Vista Alegre, nos diriam o que tinha acontecido com Dinho. Fomos entrevistá-los. Um deles se recusou a fazer qualquer declaração que pudesse ser divulgada. Outro negou ser amigo de Dinho e chegou até a dizer que não o conhecia. Ambos pareciam assustados, e ambos forneceram informações falsas sobre o local em que Dinho foi morto. Foi um dia muito triste para a democracia, a solidariedade humana e a justiça brasileira.

Não há nada que assinale o local em que Adelino Ramos, o Dinho, foi morto, em maio de 2011, diante das próprias filhas. É muito conveniente para quem quer que tenha sido o mandante, que sua morte terrível caia no esquecimento. O homem que o matou também está morto. Nenhum nome identifica a estrada de terra. Como o corte ilegal de madeira, este líder dos sem-terra teve sua vida ceifada, e a morte de Dinho clama aos céus por justiça. Esta é uma terra em que a grama cresce e os caminhões carregados de madeira ilegal partem sem que ninguém diga uma palavra.

Mas o filho de Dinho ainda está em busca de justiça para si mesmo e para seu pai.
Claudemir Ramos sempre negou ser responsável pelo que aconteceu em Corumbiara. Ele nega a afirmação de que teve um julgamento justo. Ele se lembra de ter sido torturado, jogado na prisão e ter conseguido escapar. Claudemir Ramos se considera um fugitivo da injustiça e descreve Corumbiara como uma tragédia de morte e tortura para os trabalhadores. Ele já pensou muitas vezes em se entregar, mas se fizer isso, ele sabe que, como seu pai, será morto por aqueles que temem que surjam líderes entre os camponeses para lutar pelo direito à terra. Claudemir rejeita a violência como solução e espera que as urnas eleitorais tragam a mudança e a reforma agrária para o Brasil. Mas, para que isso aconteça, ele acredita que é preciso que o governo tenha mais coragem e trabalhe mais perto do povo do campo, em solidariedade, sem ceder aos poderosos e aos donos de terra.

Muitos homens abastados buscam apenas o próprio interesse. Claudemir afirma que seu pai era um homem que não podia ser comprado pelos latifundiários, e funcionários corruptos do governo, que ele tinha a devida autoridade e documentação das organizações do governo, INCRA e IBAMA, e que foi morto defendendo a floresta do Amazonas e ajudando trabalhadores a se estabelecerem na terra em meio à corrupção. Ele afirma que não há justiça para os pobres, no Brasil, apenas para os ricos. Perguntamos o que ele diria aos europeus que dizem: “Mas isso é o que era de se esperar, no Brasil, não é?” e ele respondeu que é muito triste ouvir que os europeus considerariam que seja normal, em qualquer lugar do mundo, que as pessoas tenham de lutar para ter seus direitos básicos respeitados.

Mais tarde, nos encontramos com a irmã de Claudemir, Célia. Ela disse que sua família foi gravemente afetada por Corumbiara. Seu irmão é perseguido ainda hoje, e é procurado por um crime que não cometeu. Ela compara seu pai, que era líder dos camponeses no tempo de Corumbiara, ao bom pastor, que sacrifica seus interesses pelos interesses dos outros. Ela afirma que ele foi uma luz para os outros, ajudando a estabelecer mais de 15 mil pessoas em 37 assentamentos. Ao perguntarmos se ela achava que o sacrifico de seu pai tinha valido a pena, ela disse que sim. Célia acredita que ele morreu com Deus, que ele deu esperança às pessoas, e mostrou um caminho para o progresso e para uma sociedade mais justa. Quanto ao futuro dos amazonenses, ela espera que haja mudanças. Que uma sociedade mais unida leve a uma reforma constitucional que garanta os direitos humanos para todos. Ela anseia pelo dia em que todas as pessoas no Brasil, ricos e pobres, tenham os mesmos direitos. Por hora, a seu ver, o atual sistema de justiça, libera o culpado e pune o inocente.

O Brasil é um país belo e rico, que tem fartura de alimentos e um povo hospitaleiro. Este ano o Brasil será o anfitrião da Jornada Mundial da Juventude, à qual estará presente o Papa Francisco. Vai sediar a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. O que faremos com as nossas mazelas? Vamos varrê-las para debaixo do tapete da indiferença?

O Brasil almeja uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Entretanto, enquanto não encarar sua vergonhosa tolerância à injustiça com relação à terra e à igualdade entre as pessoas, não fará por merecer esse papel de liderança.

Até quando seremos conhecidos apenas como o país do futuro? Que legado deixará para o país a nossa geração?



Texto de Derek Indoe
Inglaterra Traduzido por
Suzete
Isso tudo é mesmo uma vergonha para o meu país, (BRASIL) 

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